SECRETARIA
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA
COORDENAÇÃO
PEDAGÓGICA
Coordenação
EJA –Márcia Cristina Cruz
A
AVALIAÇAO ENTRE DUAS LÓGICAS
A avaliação não é uma fortuna medieval. É uma invenção
mais tardia, nascida com os colégios por volta do século XVII é tornada
indissociável do ensino de massa que conhecemos desde o século XIX, com a
escolaridade obrigatória.
Algum dia teria havido, na história da escola,
consenso sobre a maneira de avaliar ou sobre os níveis de exigência? A
avaliação inflama necessariamente as paixões, já que estigmatiza a ignorância
de alguns para melhor celebrar a excelência de outros. Quando resgatam suas
lembranças de escola, certos adultos associam a avaliação a uma experiência
gratificante; para outros, ela evoca, ao contrario, uma seqüência de as mesmas
emoções através de seus filhos. As questões que envolvem a avaliação escolar,
no registro narcisico, tanto naquele das relações sociais quanto no que diz
respeito ás suas conseqüências (orientações, seleção, certificação) são
demasiado abrangentes para que alguém para denunciar a severidade ou o laxismo,
a arbitrariedade, a incoerência ou a falta de transparência dos procedimentos
ou dos critérios de avaliação. Essas criticas levantam invariavelmente uma
defesa das classificações, apesar de sua imperfeição, em nome do realismo, da
formação das elites, do mérito, da fatalidade das desigualdades.
Avaliar é cedo ou tarde criar hierarquias de excelência,
em função das quase decidirão a progressão no curso seguido, a seleção no
inicio do secundário, a orientação para diversos tipos de estudos, a
certificação antes da entrada no mercado de trabalho e, freqüentemente, a
contratação. Avaliar é também privilegiar um modo de estar em aula e no mundo,
valorizar formas e normas de excelência, definir um aluno modelo, aplicado e dócil
para uns, imaginativo e autônomo para outros...como, dentro dessa problemática,
sonhar com um consenso sobre a forma ou o conteúdo dos exames ou da avaliação
continua praticada em aula?
Os debates atuais relacionam-se, além disso, a uma
nova crise dos valores, da cultura, do sentido da escola. Entretanto, seria
errôneo, acreditar que sucedem á idade de ouro de uma avaliação triunfante e
inconteste .Em torno da norma e das hierarquias de excelência, nenhuma
sociedade vive na serenidade e no consenso. A questão é saber, antes, se cada
época reinventa á sua maneira e em sua linguagem, as figuras impostas de um
eterno debate, ou se hoje acontece algo de novo. Envolvidos pelo presente,
queremos sempre acreditar que a história se transforma diante de nossos olhos.
Os historiadores nos ensinam. ao contrário, que nos debatemos em disputas quase
rituais, retomadas década após década, em uma linguagem inovadora apenas o
suficiente para dissimular a perenidade das posições e das oposições. Que a
avaliação possa auxiliar o aluno a aprender não é uma idéia nova. Desde que a
escola existe, pedagogos se revoltam contra as notas e querem colocar a
avaliação mais a serviço do aluno do que do sistema. Essas evidências são
incessantemente redescobertas, e cada geração crê que nada mais será como antes
. O que não impede a seguinte de seguir o mesmo caminho e de sofrer as mesmas
desilusões.
Isso
significa que nada se transforma de um dia para outro no mundo escolar, que a
inércia é poder demais forte, nas estruturas, nos textos e sobretudo, nas
mentes, para que uma nova idéia possa se impor rapidamente. O século que está
terminando demonstrou a força de inércia do sistema, para além dos discursos
reformistas. Embora muitos pedagogos tenham acreditado condenar as notas, elas ainda
estão ai, e bem vivas, em inúmeros sistemas escolares. Embora a denuncia da
indiferença ás diferenças ocorra há décadas e seja acompanhada de vibrantes
defesas da educação sob medida e das pedagogias diferenciadas, as crianças de
mesma idade continuam obrigadas a seguir o mesmo programa. Uma visão pessimista
da escola poderia enfatizar o imobilismo.
No
entanto, lentamente a escola muda. A maioria dos sistemas declara agora querer
favorecer um pedagogia diferenciada e uma maior individualização das trajetórias
de formação. Também a avaliação evolui. As notas desaparecem em certos graus,
em certos tipos de escolas...falar de avaliação formativa não é mais apanágio
de alguns marcianos. Talvez passemos - muito elegante da medida obsessiva da excelência a uma
observação formativa a serviço da regulação das aprendizagens. Todavia, nada
está pronto!
Este livro
tenta mostrar a complexidade do problema, que se deve à diversidade das lógicas
em questão, a seus antagonismos, ao fato de que a avaliação está no âmago das
contradições do sistema educativo, constantemente na articulação da seleção e
da formação, do reconhecimento e da negação das desigualdades.
O leitor
não encontrara aqui um modelo ideal de avaliação formativa, menos ainda uma
reflexão sobre a medida de avaliação. A abordagem sociológica não ignora as
contribuições da docimologia, da psicometria, das praticas em nome de uma
concepção mais coerente e mais cientifica da avaliação, nem acrescentar algo
aos modelos prescritivos. O olhar é mais descritivo, a questão é primeiramente
mostrar que “tudo se mantem” que não se pode melhorar a avaliação sem tocar no
conjunto do sistema didático e do sistema escolar.
Isso não
quer dizer que esta obra adote o ponto de vista de sirius. Poder-se-ia imaginar
uma sociologia da avaliação totalmente desengajada, limitando-se a dar conta da
diversidade e da evolução das praticas e dos modelos. Não pretendo tal
distanciamento. A avaliação formativa é uma peça essencial dentro de um
dispositivo de pedagogia diferenciada. Quem não aceita o fracasso escolar e a
desigualdade na escola se pergunta necessariamente: como fazer da regulação
continua da aprendizagens a lógica prioritária da escola?
Esse
compromisso com as pedagogias diferenciadas não deveria se desviar da analise
lúcida das praticas e dos sistemas. Ao contrario! Não há exemplo de mudança
significativa que não se tenha ancorado em uma visão bastante realista das
restrições e das contradições do sistema educativo.
Descrever
a avaliação como oscilando entre duas lógicas apenas é evidentemente
simplificador. Na realidade, há muitas outras ainda mais pragmáticas. Bem antes
de regular as aprendizagens, a avaliação regula o trabalho, as atividade, as
relações de autoridade e a cooperação em aula e, de uma certa forma, as relações
entre a família e a escola ou entre profissionais da educação. Um olhar
sociológico tenta constantemente considerar as lógicas do sistema que dizem
respeito ao tratamento das diferenças e das desigualdades e, ao mesmo tempo, as
lógicas dos agentes, que envolvem questões mais cotidianas, de coexistência, de
controle de poder.
Portanto,
estabelecerei rapidamente as duas principais lógicas do sistema, uma
tradicional, outra emergente, lembrando o leitor de não esquecer que elas não
esgotam a realidade e o sentido das praticas
UMA
AVALIAÇAO A SERVIÇO DA SELEÇÂO?
A avaliação é tradicionalmente associada, na
escola, á criação de hierarquias de excelência. Os alunos são comparados e
depois classificados em virtude de uma norma excelência, definida no absoluto
ou encarnada pelo professor e pelos melhores alunos. Na maioria das vezes,
essas duas referencias se misturam, com uma dominante: na elaboração das
tabelas, enquanto alguns professores falam de exigências preestabelecidas,
outros constroem suas tabela a posteriori, em função da distribuição dos
resultados, sem todavia chegar a dar sistematicamente a melhor nota possível ao
trabalho “menos ruim”.
No
decorrer do ano letivo, os trabalhos, as provas de rotina, as provas orais a
notação de trabalhos pessoais e de dossiês criam pequenas hierarquias de
excelência, sendo que nenhuma delas é
decisiva , mas cuja adição e acumulo prefiguram a hierarquia final:
Seja
porque se fundamenta amplamente nos resultados obtidos ao longo do ano, quando
avaliação continua não é acompanhada por provas padronizadas ou exames;
Seja
porque a avaliação durante o ano funcionam como um treinamento para o exame.
Essa
antecipação desempenha um papel maior no contrato didático celebrado entre o
professor e seus alunos, assim como nas relações entre a família e a escola.
Conforme mostrou Chevallard (1986) no que tange aos professores de matemática
do secundário, as notas se fazem parte de uma negociação entre o professor e
seus alunos ou pelo menos de um arranjo. Elas lhe permitem fazê-los trabalhar,
conseguir sua aplicação, seu silencio, sua concentração, sua docilidade em
vista do objetivo supremo: passar de ano. A nota é uma mensagem que não diz de
inicio ao aluno o que ele sabe, mas o que pode lhe acontecer-se continuar assim
até o final do ano. Mensagem tranqüilizadora para uns, inquietante para os que
vista também aos pais, com a demanda implícita ou explicita de intervir antes
que seja tarde demais. A avaliação tem a função, quando se dirige a família, de
prevenir, no duplo sentido de impedir e de advertir. Ela alerta contra o
fracasso que se anuncia ou, ao contrario, tranqüiliza, acrescentando desde que
continuem assim!. Quando o jogo esta quase pronto prepara os espíritos para o
pior; uma decisão de reprovação ou de não admissão em um habilitação exigente
apenas confirma , em geral, os prognósticos desfavoráveis comunicados, bem
antes, ao aluno e a sua família.
Assim como
os pequenos mananciais formam grandes rios, as pequenas hierarquias se combinam
para formar hierarquias globais, em cada disciplina escolar, depois sobre o
conjunto do programa , um trimestre, para um ano letivo e, enfim para o
conjunto de um ciclo de estudos. Referindo-se formas e normas de excelência bem
diversas, essas hierarquias tem em comum mais informar sobre a posição de um
aluno em um grupo ou sobre sua distancia relativa a norma de excelência do que
sobre o conteúdo de seus conhecimentos e competências. Elas dizem sobretudo, se
o aluno é melhor ou pior do que seus colegas. A própria existência de uma
escala a ser utilizada cria hierarquia, às vezes a partir de pontos pouco
significativos. Amigues e Zerbato – poudou (1996) lembram esta experiência
simples: dá-se um lote de trabalhos heterogêneos a serem corrigidos por um
conjunto de professores cada um estabelece um distribuição em forma de sino,
aproximação da famosa curva de Gaus. Retiram-se então todos os trabalhos
situados na parte mediana da distribuição e dão-se um lote de trabalhos
heterogêneos a serem corrigidos por um conjunto de professores, cada um
estabelece uma distribuição em forma de sino, a ,aproximação da famosa curva de
Gauss. Retiram-se então todos os trabalhadores situados na parte mediana da
distribuição bimodal. Isso não acontece, cada avaliador recria uma distribuição
normal. Obtem-se o mesmo resultado quando se conserva apenas a metade inferior
ou superior de um primeiro lote. Os examinadores criam variações que se referem
mais á escala e ao principio da classificação do que as variações
significativas entre os conhecimentos ou as competências de uns e outros.
Uma
hierarquia de excelência jamais é o puro e simples reflexo da “realidade” das
variações. Elas existem realmente , mas a avaliação escolhe, em um momento
definido, segundo critérios definidos, dar-lhe um imagem publica; as mesmas
variações podem ser dramatizadas ou banalizadas conforme a lógica de ação em
andamento, pois não se avalia por avaliar, mas para fundamentar uma decisão. Ao
final do ano letivo ou do ciclo de estudos, as hierarquias de excelência escolar comandam o
prosseguimento normal do curso ou, se houver seleção , a orientação para esta
ou aquela habilitação. De modo mais global, ao longo de todo o curso, elas
regem o que se chama de êxito ou fracasso escolares. Estabelecida de acordo com
uma escala muito diferenciada, às vezes, apenas um décimo de ponto de
diferença uma hierarquia de excelência
se transforma facilmente, com efeito, em
dicotomia: basta introduzir um ponto de ruptura para criar conjuntos
considerados homogêneos; por um lado, aqueles que são reprovados são relegados
as habilitações pré-profissionais ou entram no mercado de trabalho aos 15-16
anos; por outro, os que avançam no curso e se orientam para os estudos
aprofundados.
A outra
função tradicional da avaliação é certificar aquisições em relação a terceiros.
Um diploma garante aos empregadores em
potencial que seu portador recebeu uma formação, o que permite contratá-lo sem
fazer com que preste novos exames. Uma forma de certificação análoga funciona também
no interior de cada sistema escolar, de um ciclo de estudos ao seguinte, ate
mesmo entre anos escolares. Isso é menos visível, pois não existe o equivalente
em um mercado de trabalho, o mercado da orientação permanece controlado pelo
sistema educativo.
Uma
certificação fornece poucos detalhes dos saberes e das competências adquiridos
e do nível de domínio precisamente
atingido em cada campo abrangido. Ela garante sobretudo, que um aluno
sabe globalmente “o que é necessário saber” para passar para a série seguinte
no curso, ser admitido em uma habilitação ou começar uma profissão. Entre
professores dos graus ou ciclos de estudos sucessivos, entre a escola e os
empregadores , o nível e o conteúdo dos exames ou da avaliação são é claro,
questões recorrentes. Todavia, no âmbito do funcionamento regular do sistema,
“age-se como se “aqueles que avaliam soubessem o que devem fazer e a eles é
concedida uma certa confiança. A vantagem de uma certificação instituída é
justamente a de não precisar ser controlada ponto por ponto, de servir de
passaporte para o emprego ou para uma formação posterior.
Dentro do
sistema escolar, a certificação é sobretudo, um modo de regulação da divisão
vertical do trabalho pedagógico. O que se certifica ao professor que recebe os
alunos oriundos do nível ou do ciclo anterior é que ele poderá trabalhar como
de habito. O que isso recobre não é totalmente independente do programa e das aquisições mínimas. Isso
pode variar muito de um estabelecimento a outro, em função do nível efetivo dos alunos e da atitude do
corpo docente.
Em todos
os casos, a avaliação não é um fim em si. É uma engrenagem no funcionamento
didático e, mais globalmente , na seleção e na orientação escolares. Ela serve
para controlar o trabalho dos alunos e, simultaneamente, para gerir os fluxos.
OU A SERVIÇO DAS APRENDIZAGENS
A escola
conformou-se com as desigualdades de êxito por tanto tempo quanto elas pareciam
“na ordem das coisas” É verdade que era importante que o ensino fosse
corretamente distribuído e que os alunos trabalhasse, mas a pedagogia não
pretendia nenhum milagre, ela não podia senão “revelar” a desigualdade das
aptidões. Dentro dessa perspectiva, uma avaliação formativa não tinha muito
sentido: a escola não se sentia responsável pelas aprendizagens, limitava-se a
oferecer a todos a oportunidade de aprender: cabia a cada um aproveitá-la! A
noção de desigualdade das oportunidades não significou, até um período recente, nada além, disto: que
cada um tenha acesso ao ensino, sem entraves geográficos ou financeiros, sem
inquietação com seu sexo ou sua condição de origem.
Quando
Bloom, nos 60, defendeu uma pedagogia do domínio, introduziu um postulado
totalmente diferente. Pelo menos no nível da escola obrigatória, ele dizia
“todo mundo pode aprender” 80% dos alunos podem dominar 80% dos conhecimentos e
das competências inscritos no programa, com a condição de organizar o ensino de
maneira a individualizar o conteúdo, o ritmo e as modalidades de aprendizagem
em função de objetivos claramente definidos. De imediato, a avaliação se
tornava o instrumento privilegiado de uma regulação continua das intervenções e
das situações didáticas. Seu papel, na perspectiva de uma pedagogia de domínio
não era mais criar hierarquias, mas delimitar as aquisições e os modos de
raciocínio de cada aluno o suficiente para auxiliá-lo a progredir no sentido dos
objetivos. Assim nasceu, se não a própria idéia de avaliação formativa,
desenvolvida originalmente por Scriven (1967) em relação aos programas, pelo
menos sua transposição á pedagogia e as aprendizagens dos alunos.
O que há
de novo nessa idéia? Não se servem todos os professores da avaliação durante o
ano para ajustar o ritmo e o nível global de seu ensino? Não se conhecem muitos
professores que utilizam a avaliação de modo mais individualizado, para melhor
delimitar as dificuldades de certos alunos e tentar remedia-las?
Toda ação
pedagógica repousa sobre uma parcela intuitiva de avaliação formativa, no
sentido de que, inevitavelmente, há um mínimo de regulação em função das
aprendizagens ou, ao menos dos funcionamentos observáveis dos alunos. Para se
tornar um prática realmente nova, seria necessário, entretanto, que a avaliação
formativa fosse a regra e se integrasse a um dispositivo de pedagogia
diferenciada. É esse caráter metódico, instrumento e constante que a distancia
das praticas comuns. Portanto, não se poderia, sob o risco de especulação,
afirmar que todo o professor faz constantemente avaliação formativa, ao menos
não no pleno sentido do termo.
Se a
avaliação formativa nada mais é do que um maneira de regular a ação pedagógica,
por que não é uma pratica corrente? Quando um artesão modela um objeto, não
deixa de observar o resultado para ajustar seus gestos e, se preciso for,
“corrigir o alvo” expressão comum que designa uma faculdade humana universal: a
arte de conduzir a ação pelo olhar, em função de seus resultados provisórios e
dos obstáculos encontrados. Cada professor dispõe dela, como todo mundo. Ele se
dirige, porém, a um grupo e regula sua ação em função de sua dinâmica de
conjunto, do nível global e da distribuição dos resultados, mais do que das
trajetórias de cada aluno. A avaliação formativa introduz uma ruptura porque
propõe deslocar essa regulação ao nível das aprendizagens e individualizá-la.
Nenhum
médico se preocupa em classificar seus pacientes, do menos doente ao mais
gravemente atingido. Nem mesmo pensa em lhes administrar um tratamento
coletivo. Esforça-se para determinar, para cada um deles, diagnostico
individualizado, estabelecendo uma ação terapêutica sob medida. Muitaris
mutandis, a avaliação formativa deveria ter a mesma função em um pedagogia
diferenciada. Com essa finalidade as provas escolares tradicionais se revelam
de pouca utilidade, porque são essencialmente concebidas em vista mais do
desconto do que da analise dos erros, mais para a classificação dos alunos do
que para identificação do nível de domínio de cada um “se erro me interessa”
diria um professor que leu Astolfi. Uma prova escolar clássica suscita erros
sem buscar os meios para compreendê-los e para trabalhá-los. A avaliação
formativa deve, pois forjar seus próprios instrumentos, que vão do teste
criterioso, descrevendo de modo analítico um nível de aquisição ou de domínio a
observação in loco dos métodos de trabalho, dos procedimentos, dos processos
intelectuais no aluno.
O
diagnostico é inútil se não der lugar a uma ação apropriada. Uma verdadeira
avaliação formativa é necessariamente acompanhada de uma intervenção
diferenciada, com o que isso supõe em termos de meios de ensino, de organização
dos horários, de organização do grupo-aula, até mesmo de transformações
radicais das estruturas escolares. As pedagogias diferenciadas estão doravante
na ordem do dia e a avaliação formativa não é mais uma quimera, já que
propiciou inúmeros ensaios em diversos sistemas.
No entanto
é inútil esconder que ela se choca com todo tipo de obstáculos, nas mentes e
nas praticas. Primeiramente, porque exige a adesão a uma visão mais
igualitarista da escola e ao principio de educabilidade. Para trabalhar com
prioridade na regulação das aprendizagens, deve-se antes de tudo acreditar que elas são
possíveis para o maior numero. Essa concepção está longe de alcançar
unanimidade. Não partilhamos mais da ideologia do dom triunfante, todo ou quase
todos estão hoje conscientes do peso do meio cultural no êxito escolar. As
pedagogias de apoio desenvolveram-se um
pouco em todos os lugares e a idéia de
que uma diferenciação mais sistemática do ensino poderia atenuar o fracasso
escolar não é mais muito original. Contudo, a democratização de ensino permanece
um tema pouco mobilizador para uma fração significativa dos professores ou dos
estabelecimentos, e a prioridade que lhe dão os sistemas educativos é muito
flutuante. Mesmo quando a política da educação e as aspirações dos agentes vão
nesse sentido, o esforço não se faz ipso facto em nível da sala de aula, da
diferenciação do ensino e da individualização dos percursos de formação. Uma
boa parte das energias permanece comprometida com os aspectos financeiros,
geográficos e estrutruturais do acesso aos estudos.
A
avaliação formativa assume todo seu sentido no âmbito de uma estratégia
pedagógica de luta contra o fracasso e as desigualdades, que está longe de ser
sempre executada com coerência e continuidade. Devido à política indecisas e
também por outras razoes. A avaliação formativa e a pedagogia diferenciada da
qual participa chocam-se com obstáculos materiais e institucionais numerosos: o
efetivo das turmas, não privilegiam a diferenciação. O horário escolar, a
divisão do curso em graus, a ordenação dos espaços são restrições dissuasivas
para quem não sente, visceralmente a paixão pela desigualdade.
Outro
obstáculo: a insuficiência ou a excessiva complexidade dos modelos de avaliação
formativa propostos aos professores. Atualmente, a pesquisa privilegia um
caminho intermediário entre a intuição e a instrumentação (Allal, 1983) e
reabilita a subjetividade.
Trabalha-se
em uma ampliação da avaliação formativa, mais compatível com as novas didáticas
e as abordagens. Construtivas
consagra-se a descreveras praticas atuais antes de prescrever outras,
recoloca-se a avaliação no quadro de uma problemática mais ampla, a do trabalho
escolar ou da didática das disciplinas e esses trabalhos estão longe de esgotar
o assunto. Resta muito a fazer para dar a um grande numero de professores a
vontade e os meios de praticar um avaliação formativa.
A formação
dos professores trata pouco de avaliação e menos ainda de avaliação formativa.
Mais globalmente , uma pedagogia diferenciada supõe uma qualificação crescente
dos professores, tanto no domínio dos conhecimentos matemáticos ou
lingüísticos, por exemplo, quanto no domínio didático.
Enfim, a
avaliação formativa se choca com a avaliação instalada, com a avaliação
tradicional, às vezes chamada de normativa. Mesmo quando as questões
tradicionais da avaliação se fazem menos evidentes , a avaliação formativa não
dispensa os professores de dar notas ou de redigir apreciações, cuja função é
informar os pais ou a administração escolar sobres às questões dos alunos,
fundamentado a seguir decisões de seleção ou de orientação. A avaliação
formativa, portanto, parece sempre uma tarefa suplementar, que obrigaria os
professores a gerir um duplo sistema de avaliação, o que não é muito animado!
O que acontece hoje em dia...
As
pesquisas e as experiências se multiplicam. A avaliação formativa é um dos
“cavalos de batalha” da Associação Européia para o Desenvolvimento das
Metodologias de avaliação em Educação e de sua irmã mais velha quebequense. Ela
está no âmago das tentativas de pedagogia diferenciada e de individualização
dos percursos de formação. Há um preocupação um pouco maior com a avaliação no
que diz respeito ás renovações de programas e ao quadro das didáticas das
disciplinas. A formação continua se desenvolve; a formação inicial se amplia
lentamente. Essa evolução poderia alimentar a ilusão de que a escola aderiu a
idéia de uma avaliação e de que se encaminha a passos largos para isso. A
realidade porém, é mais complexa. Nas aulas, as praticas de avaliação evoluem
globalmente para uma severidade menor. Serão elas mais formativas? Duvida-se
muito. Desenvolve-se o apoio pedagógico
externo, trabalha-se mais com quenos grupos. Seria uma pedagogia diferenciada
digna desse nome? Isso é apenas o começo.
Nos
sistemas educativos, há uma distancia significativa entre o discurso modernista
entremeado de ciências da educação e de novas pedagogias, e as preocupações
prioritárias da maioria dos professores e dos responsáveis escolares. Raros são
os que opõem resoluta e abertamente a uma pedagogia diferenciada ou a uma
avaliação formativa. Todavia só há adesão com a condição de que essas sejam
efetivadas “acima do mercado” sem comprometer nenhuma das funções tradicionais
da avaliação formativa. Sem comprometer nenhuma das funções tradicionais da
avaliação, sem tocar na estrutura escolar, sem comprometer nenhuma das funções
tradicionais da avaliação, sem tocar na estrutura escolar, sem transtornar os
hábitos dos pais, sem exigir novas qualificações dos professores. Ora, se a
avaliação formativa não exigir, em si mesma, nenhuma revolução, não poderá se
desenvolver plenamente a não ser no quadro de uma pedagogia diferenciada,
fundada sobre uma política perseverante de democratização do ensino.
Mais, dia,
menos dia, os sistemas educativos estarão encurralados: ou continuarão presos
ao passado, fazendo um discurso de vanguarda; ou transporão o obstáculo e
orientar-se ao para um futuro em que as hierarquias de excelência serão menos
importantes do que as competências reais de maior número.
Vivemos um
período de transição. Por muito tempo, as sociedades européias acreditaram não
necessitar de muitas instruídas e se serviram da seleção, portanto da avaliação, para excluir a maior parte dos
indivíduos dos estudos aprofundados. No inicio do século, 4% dos adolescente
franceses freqüentavam as escolas e podiam pretender chegar ao final dos
estudos secundários. Agora, a França pretende formar 80% dos jovens no
secundário sem diminuir o nível de formação. Não é mais um utopia, nem uma idéia de esquerda. Todavia, a crise dos
valores e dos meios, a defesa dos privilégio, a rigidez da instituição escolar
autorizam a que se duvide de uma progressão continua para a pedagogia
diferenciada. Certamente, a democratização do ensino, no sentido amplo,
progrediu de modo espetacular, a julgar pelos índices de escolarização aos 18
ou 20 anos, ou pela extensão média dos estudos. Entre as meninas e os meninos,
as chances de êxito e de acesso aos estudos aprofundados aproximaram-se muito,
Em contrapartida o distanciamento entre as classes sócias entre as classes
sociais se mantém e até mesmo tende a se
agravar entre as camadas menos favorecidas
e a classe média e alta, principal beneficiarias da explosão escolar. Em
escala planetária, o desenvolvimento da escolarização avança pouco e as
desigualdades continuam gritantes.
Portanto,
seria arriscado anunciar um futuro promissor. Entre as necessidades de
formação, inesgotável, e as políticas da
educação , nem sempre há coerência. E sua comissão afirmam: “ A educação guarda
um tesouro em seu interior” ninguém terá a audácia de contradizê-los
abertamente. Contudo os governos e os profissionais da educação permanecem, com
muita freqüência, paralisados pela crise econômica, pela fragilidade das
maiorias no poder, pelas contradições internas da burocracias escolares, pelos
conservadorismo de todo tipo e por tudo que mantém uma distancia entre os
ideais declarados e a realidade dos sistemas educativos.
O fato de
a avaliação estar ainda entre duas lógicas decepciona ou escandaliza aqueles
que lutam contra o fracasso escolar e sonham com uma avaliação puramente
formativa. Com um pouco de recuo histórico, pode-se sustentar que a própria
existência de nova lógica, mais formativa, é uma conquista extraordinária.
Quase todos os sistemas educativos modernos declaram avançar para uma avaliação menos seletiva,
menos precoce, mais formativa mais
integrada a ação pedagógica cotidiana. Pode-se julgá-los
pelo distanciamento entre essas intenções e a
realidade das praticas. Pode-se igualmente salientar que tais intenções são
recentes, que datam de meados dos anos 1970-80. portanto o período de transição
esta apenas começando.
Incontestavelmente,
a lógica formativa ganhou importância. Pouco a pouco, denunciam-se os limites
que lhe impõem as lógicas de seleção. Esquece-se que elas reinaram, sozinhas,
durante décadas. A democratização do ensino e a busca de um pedagogia mais
diferenciada fizeram emergir, e depois se difundir, a lógica formativa, de modo
que hoje em dia as forças e a legitimidade da ambas estão mais equilibradas. De
que lado o futuro fará pender a balança? Ninguém sabe. O momento não é de
concluir, e sim de trabalhar para que coexistam e se articulem duas lógicas.
A questão
não é somente retardar e atenuar a seleção. A avaliação tradicional, não
satisfeita em criar fracasso, empobrece as aprendizagens e induz, nos
professores, didáticas conservadoras e, nos alunos, estratégias utilitaristas.
A avaliação formativa participa da renovação global da pedagogia, da
centralização sobre o aprendiz, da mutação da profissão de professor: outrora
dispensador de aulas e de lições, o professor se torna o criador de situações
de aprendizagem”portadoras de sentido e de regulação” As resistências não
atingem, portanto unicamente a salvaguarda das elites. Elas se situam cada vez
mais no registro das praticas pedagógicas do oficio de professor e do oficio de
aluno!
PERRENOUD,
Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre duas
lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
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